36 Design Tv Smartwatch

Introdução

À medida que as experiências digitais se expandem para além dos smartphones e desktops, os Design Systems precisam evoluir para acomodar dispositivos com características e contextos de uso radicalmente diferentes. TVs inteligentes e smartwatches representam dois extremos desse espectro: de um lado, telas grandes visualizadas à distância; de outro, dispositivos minúsculos usados em movimento.

Adaptar um Design System para essas plataformas vai muito além de simplesmente redimensionar componentes. Envolve repensar fundamentalmente como os usuários interagem com a interface, como a informação é hierarquizada e como a navegação funciona quando não se tem um mouse ou uma tela sensível ao toque de tamanho convencional.

Neste artigo, exploraremos as considerações específicas, desafios e melhores práticas para estender seu Design System para TVs e smartwatches, garantindo experiências coesas e otimizadas para esses contextos únicos.

O que é Design para TV/Smartwatch?

Design para TV/Smartwatch refere-se à adaptação ou extensão de um Design System para acomodar as necessidades específicas de interfaces em smart TVs (incluindo Apple TV, Android TV, Roku, etc.) e dispositivos vestíveis como Apple Watch, dispositivos Wear OS, e outros smartwatches.

Estas plataformas apresentam características distintas:

Smart TVs:

• Visualização à distância: Interfaces visualizadas tipicamente de 2-3 metros de distância
• Controle indireto: Navegação via controle remoto, voz ou gestos, não toque direto
• Contexto de uso: Ambiente de sala de estar, frequentemente compartilhado com outras pessoas
• Orientação fixa: Sempre em formato paisagem (landscape)
• Foco no conteúdo: Ênfase em conteúdo visual e imersivo

Smartwatches:

• Tela minúscula: Espaço extremamente limitado (geralmente 38-44mm)
• Interação rápida: Sessões de uso muito curtas (5-10 segundos)
• Contexto em movimento: Frequentemente usado durante outras atividades
• Capacidades limitadas: Restrições de processamento e entrada de dados
• Foco em notificações: Prioridade para informações críticas e acionáveis

Um Design System adaptado para essas plataformas deve considerar essas características únicas enquanto mantém a consistência visual e funcional com outras plataformas.

Por que é importante?

Estender seu Design System para TVs e smartwatches traz diversos benefícios:

1. Experiência omnicanal completa: Permite que sua marca ofereça uma experiência verdadeiramente contínua em todos os dispositivos que os usuários utilizam.

2. Eficiência de desenvolvimento: Fornece diretrizes claras para equipes que precisam implementar interfaces nessas plataformas, evitando que “reinventem a roda”.

3. Consistência de marca: Mantém a identidade visual consistente mesmo em contextos radicalmente diferentes.

4. Antecipação de tendências: Prepara sua organização para o crescimento contínuo de dispositivos conectados além do smartphone e desktop.

5. Acessibilidade ampliada: Considera diferentes contextos de uso e capacidades físicas, tornando seus produtos mais inclusivos.

6. Redução de atrito: Facilita a transição dos usuários entre diferentes dispositivos ao manter padrões de interação familiares.

7. Inovação guiada: Proporciona um framework para experimentação em novas plataformas sem perder a coesão com o ecossistema existente.

8. Escalabilidade: Estabelece uma base que pode ser estendida para futuros dispositivos IoT e interfaces não convencionais.

Como aplicar na prática

Princípios gerais para ambas as plataformas

1. Respeite as convenções da plataforma: Cada plataforma tem suas próprias diretrizes de design (tvOS Human Interface Guidelines, Wear OS Design Guidelines, etc.). Seu Design System deve complementar, não contradizer essas diretrizes.

2. Mantenha a essência, adapte a expressão: Identifique os elementos fundamentais da sua identidade visual (cores principais, tipografia, tom de voz) e adapte sua expressão para cada contexto.

3. Teste no contexto real: Interfaces de TV devem ser testadas em uma TV real, vista de longe. Interfaces de smartwatch devem ser testadas no dispositivo, em movimento.

4. Simplifique radicalmente: Reduza a interface ao essencial para cada contexto. Remova elementos decorativos que não agregam valor funcional.

5. Considere estados offline: Ambas as plataformas podem enfrentar conectividade intermitente. Seu design deve prever e lidar graciosamente com esses cenários.

Adaptações específicas para TV

1. Tipografia e legibilidade:
   – Utilize fontes mais robustas e com maior contraste
   – Aumente significativamente o tamanho do texto (mínimo 20-24px)
   – Evite textos longos; priorize conteúdo visual e frases curtas
   – Considere a distância de visualização na definição de tamanhos

2. Navegação e foco:
   – Implemente estados de foco muito visíveis (destacados)
   – Crie padrões de navegação previsíveis (geralmente em grade)
   – Minimize a profundidade da navegação (poucos níveis)
   – Otimize para navegação direcional (cima, baixo, esquerda, direita)

3. Layout e composição:
   – Respeite as áreas seguras da tela (safe zones) para evitar cortes
   – Utilize mais espaço negativo entre elementos
   – Crie hierarquia visual clara com tamanho e contraste
   – Considere a proporção 16:9 como padrão

4. Interação:
   – Simplifique formulários ao mínimo necessário
   – Ofereça atalhos para tarefas comuns
   – Integre comandos de voz quando possível
   – Minimize a necessidade de entrada de texto

5. Performance:
   – Otimize imagens para telas de alta resolução
   – Considere tempos de carregamento em conexões variáveis
   – Implemente estados de carregamento claros e informativos

Adaptações específicas para Smartwatch

1. Tipografia e legibilidade:
   – Use fontes altamente legíveis em tamanhos pequenos
   – Limite texto a 2-3 palavras por linha quando possível
   – Priorize alto contraste para legibilidade em ambientes externos
   – Considere fontes condensadas para maximizar o uso do espaço

2. Navegação e interação:
   – Simplifique para ações únicas por tela quando possível
   – Utilize gestos específicos da plataforma (Digital Crown, bezel rotativo)
   – Implemente navegação por deslize (swipe) de forma consistente
   – Considere interações por voz como alternativa

3. Layout e composição:
   – Desenhe para formatos circulares e quadrados
   – Maximize a área tocável dos elementos interativos (mínimo 12mm)
   – Elimine elementos decorativos não essenciais
   – Considere a “zona de polegar” (área alcançável facilmente)

4. Conteúdo:
   – Priorize informações críticas e acionáveis
   – Use ícones universalmente reconhecíveis
   – Implemente visualizações progressivas (revelar mais detalhes sob demanda)
   – Considere complicações/widgets para informações glanceables

5. Performance:
   – Otimize para consumo mínimo de bateria
   – Minimize animações complexas
   – Considere estados offline como padrão
   – Implemente cache inteligente para dados frequentemente acessados

Implementação no Design System

1. Estrutura de tokens adaptativa:
   – Crie tokens específicos para cada plataforma (ex: spacing.tv.large, spacing.watch.large)
   – Estabeleça relações matemáticas entre tokens de diferentes plataformas
   – Documente claramente as diferenças e quando usar cada variante

2. Componentes específicos por plataforma:
   – Desenvolva variantes de componentes otimizadas para cada contexto
   – Documente padrões de uso específicos
   – Forneça exemplos de implementação em código nativo

3. Padrões de composição:
   – Crie layouts de referência para casos de uso comuns
   – Documente padrões de navegação recomendados
   – Estabeleça hierarquias de informação por plataforma

4. Recursos de design:
   – Forneça templates e grids específicos para cada plataforma
   – Crie bibliotecas de componentes no Figma/Sketch para cada dispositivo
   – Inclua mockups e protótipos de referência

5. Testes e validação:
   – Estabeleça critérios de aceitação específicos por plataforma
   – Crie checklists de revisão adaptados para cada contexto
   – Implemente testes de usabilidade em condições reais

Ferramentas ou frameworks relacionados

1. Diretrizes oficiais das plataformas:
   – Apple tvOS Human Interface Guidelines
   – Google TV Design Guidelines
   – Apple watchOS Human Interface Guidelines
   – Wear OS Design Guidelines

2. Ferramentas de design:
   – Figma com templates específicos para TV e smartwatch
   – Sketch com artboards predefinidos para diferentes dispositivos
   – Adobe XD com componentes responsivos

3. Frameworks de desenvolvimento:
   – tvOS SDK e SwiftUI para Apple TV
   – Android TV SDK para Google TV
   – watchOS SDK para Apple Watch
   – Wear OS SDK para smartwatches Android
   – React Native for TV para desenvolvimento cross-platform

4. Ferramentas de teste:
   – Lookback para testes de usabilidade remotos
   – FullStory para análise de sessão
   – Maze para testes de protótipo

5. Recursos de referência:
   – Nielsen Norman Group: TV UX Research
   – Smartwatch UX: Designing for the Wrist

Erros comuns

1. Simplesmente redimensionar interfaces: Tratar TVs como monitores grandes ou smartwatches como smartphones pequenos, sem considerar os diferentes modelos de interação.

2. Ignorar limitações de input: Não otimizar para controle remoto em TVs ou para interações extremamente breves em smartwatches.

3. Densidade de informação inadequada: Colocar informação demais em telas de smartwatch ou de menos em TVs.

4. Negligenciar o contexto de uso: Não considerar que TVs são usadas à distância, frequentemente em ambientes compartilhados, e smartwatches são usados em movimento, frequentemente com atenção dividida.

5. Forçar consistência excessiva: Insistir em manter padrões de outras plataformas mesmo quando não fazem sentido no novo contexto.

6. Ignorar convenções da plataforma: Criar padrões de navegação ou interação que contradizem as expectativas estabelecidas pelos sistemas operacionais.

7. Não testar em dispositivos reais: Confiar apenas em simuladores ou emuladores, perdendo nuances importantes da experiência real.

8. Esquecer da acessibilidade: Não considerar como recursos de acessibilidade funcionam nessas plataformas (VoiceOver em watchOS, TalkBack em Wear OS, etc.).

9. Desconsiderar limitações técnicas: Não otimizar para as restrições de processamento, memória e bateria, especialmente em smartwatches.

10. Falta de documentação específica: Não fornecer diretrizes claras sobre como adaptar componentes para esses contextos, deixando as equipes sem orientação.

Conclusão

Estender seu Design System para TVs e smartwatches não é apenas uma questão de adaptação visual, mas uma reconsideração fundamental de como seus usuários interagem com sua marca em contextos radicalmente diferentes. Ao respeitar as particularidades de cada plataforma enquanto mantém a essência da sua identidade visual, você cria experiências que são simultaneamente familiares e otimizadas.

O investimento em diretrizes específicas para essas plataformas não convencionais prepara sua organização para um futuro cada vez mais diversificado em termos de dispositivos e interfaces. Mais importante ainda, demonstra um compromisso genuíno com a experiência do usuário em todos os pontos de contato, não apenas nos mais comuns.

À medida que o ecossistema de dispositivos conectados continua a se expandir, os Design Systems que conseguem se adaptar mantendo coerência serão fundamentais para criar experiências verdadeiramente omnicanal que atendam às expectativas dos usuários, independentemente da tela que estejam usando.

Referências

1. Apple Inc. (2023). tvOS Human Interface Guidelines. Recuperado de https://developer.apple.com/design/human-interface-guidelines/tvos

2. Google. (2023). Google TV Design Guidelines. Recuperado de https://designguidelines.withgoogle.com/googletv/

3. Apple Inc. (2023). watchOS Human Interface Guidelines. Recuperado de https://developer.apple.com/design/human-interface-guidelines/watchos

4. Google. (2023). Wear OS Design Guidelines. Recuperado de https://developer.android.com/design/ui/wear

5. Nielsen Norman Group. (2022). TV UX Design: Improving User Experience for Television Interfaces. Recuperado de https://www.nngroup.com/articles/tv-ux/