41 Ds Como Produto Interno

Introdução

Muitos Design Systems nascem como projetos técnicos ou iniciativas de padronização visual, frequentemente liderados por designers ou desenvolvedores apaixonados que identificam a necessidade de maior consistência. No entanto, essa abordagem inicial, embora valiosa, muitas vezes leva a sistemas que não evoluem adequadamente, perdem relevância com o tempo ou falham em demonstrar seu valor para a organização.

A transformação do Design System em um verdadeiro produto interno representa uma mudança fundamental de mentalidade. Em vez de ser visto como uma biblioteca estática de componentes ou um conjunto de diretrizes, o Design System passa a ser gerenciado como um produto dinâmico que serve a clientes internos específicos, com necessidades e expectativas que evoluem constantemente.

Esta abordagem traz para o universo dos Design Systems princípios consagrados de gestão de produto: pesquisa com usuários, priorização baseada em valor, ciclos de feedback, métricas de sucesso e uma visão clara de longo prazo. O resultado é um sistema mais relevante, adaptável e capaz de demonstrar seu impacto no negócio.

O que é DS como Produto Interno?

Tratar o Design System como Produto Interno significa aplicar princípios e práticas de gestão de produto ao desenvolvimento e evolução do Design System dentro da organização. Esta abordagem reconhece que o Design System tem “clientes” internos (designers, desenvolvedores, product managers) cujas necessidades devem ser compreendidas e atendidas para garantir adoção e impacto.

Os elementos fundamentais desta abordagem incluem:

  1. Visão de produto: Uma direção clara e inspiradora para o futuro do Design System, alinhada aos objetivos estratégicos da organização.

  2. Estratégia definida: Um plano para como o Design System criará valor para seus usuários e para a organização ao longo do tempo.

  3. Roadmap evolutivo: Um planejamento de recursos e melhorias priorizados com base em pesquisa e feedback dos usuários.

  4. Métricas de sucesso: Indicadores claros para avaliar a adoção, o impacto e a eficácia do Design System.

  5. Ciclos de feedback: Mecanismos formais para coletar e incorporar insights dos usuários.

  6. Equipe dedicada: Profissionais com papéis claramente definidos, incluindo um Product Manager responsável pela direção estratégica.

  7. Processos de lançamento: Cadência regular de atualizações com comunicação clara sobre mudanças e benefícios.

  8. Suporte ao usuário: Canais e recursos para ajudar os usuários a adotar e utilizar efetivamente o Design System.

  9. Marketing interno: Estratégias para promover o Design System e seus benefícios dentro da organização.

  10. Modelo de governança: Estrutura clara para tomada de decisões, contribuições e evolução do sistema.

Esta abordagem contrasta com visões mais limitadas do Design System como:
– Um projeto técnico com início e fim definidos
– Uma biblioteca estática de componentes
– Uma iniciativa exclusivamente de design ou de desenvolvimento
– Um conjunto de regras impostas de cima para baixo

Por que é importante?

Adotar a mentalidade de produto para o Design System traz múltiplos benefícios:

  1. Sustentabilidade a longo prazo: Ao demonstrar valor continuamente e evoluir com as necessidades da organização, o Design System tem mais chances de receber investimento contínuo.

  2. Maior adoção: Produtos que atendem efetivamente às necessidades dos usuários naturalmente conquistam maior adoção, sem necessidade de imposição.

  3. Alinhamento estratégico: A visão de produto garante que o Design System evolua em sintonia com os objetivos estratégicos da organização.

  4. Priorização eficaz: A mentalidade de produto fornece frameworks para decidir o que construir primeiro, baseando-se em impacto e esforço.

  5. Demonstração de ROI: Métricas claras permitem quantificar o valor gerado pelo Design System, justificando investimentos.

  6. Experiência do usuário aprimorada: O foco nas necessidades dos usuários internos resulta em ferramentas mais úteis e utilizáveis.

  7. Comunicação mais eficaz: A linguagem e os processos de produto facilitam o diálogo com stakeholders e a obtenção de recursos.

  8. Evolução contínua: A mentalidade de produto incentiva melhorias incrementais constantes, evitando grandes refatorações periódicas.

  9. Maior colaboração: A abordagem de produto cria um modelo onde usuários são parceiros no desenvolvimento, não apenas consumidores passivos.

  10. Cultura de excelência: Tratar o Design System como produto estabelece um padrão elevado de qualidade e profissionalismo.

Como aplicar na prática

Transformar um Design System em um produto interno envolve várias etapas e considerações:

1. Estabelecer a visão e estratégia

Comece definindo claramente:

  • Propósito: Por que o Design System existe? Qual problema ele resolve?
  • Visão: Como será o futuro quando o Design System for bem-sucedido?
  • Princípios: Quais valores fundamentais guiam as decisões?
  • Posicionamento: Como o Design System se diferencia de alternativas (como bibliotecas externas ou abordagens descentralizadas)?

Exemplo de declaração de visão:

“Nosso Design System será a fundação confiável que permite às equipes de produto criar experiências consistentes e de alta qualidade com velocidade sem precedentes, permitindo que foquem na inovação em vez de reinventar soluções para problemas já resolvidos.”

2. Conhecer profundamente os usuários

Aplique técnicas de pesquisa de usuários para entender:

  • Quem são os usuários: Designers, desenvolvedores frontend, desenvolvedores mobile, QA, etc.
  • Quais são suas necessidades: Dores, objetivos, fluxos de trabalho
  • Como medem sucesso: O que significa um bom dia de trabalho para eles?
  • Quais são seus contextos: Ferramentas, restrições, pressões

Métodos de pesquisa úteis:
– Entrevistas individuais
– Observação contextual
– Surveys regulares
– Testes de usabilidade
– Análise de tickets de suporte

3. Definir métricas de sucesso

Estabeleça indicadores claros para avaliar o impacto do Design System:

Métricas de adoção:

  • Percentual de projetos utilizando o Design System
  • Número de designers e desenvolvedores ativos
  • Taxa de utilização de componentes específicos

Métricas de eficiência:

  • Tempo economizado em design e desenvolvimento
  • Redução no tempo de implementação de novas features
  • Diminuição de código duplicado

Métricas de qualidade:

  • Redução de inconsistências visuais
  • Melhoria em scores de acessibilidade
  • Diminuição de bugs de UI

Métricas de satisfação:

  • NPS (Net Promoter Score) entre usuários internos
  • Satisfação com documentação e suporte
  • Facilidade de uso percebida

4. Estruturar a equipe

Organize a equipe com papéis claros:

  • Product Manager: Responsável pela estratégia, priorização e roadmap
  • Design Lead: Supervisiona a direção de design e a evolução visual do sistema
  • Tech Lead: Garante a qualidade técnica e a integração com diferentes plataformas
  • Designers de Sistema: Criam e mantêm componentes e padrões
  • Desenvolvedores de Sistema: Implementam componentes em código
  • Documentação/Conteúdo: Criam e mantêm a documentação e materiais educativos
  • Advocates: Promovem o Design System e dão suporte aos usuários

Para equipes menores, alguns papéis podem ser combinados, mas é importante que as responsabilidades estejam claramente definidas.

5. Implementar processos de produto

Estabeleça processos que suportem a mentalidade de produto:

Roadmap e priorização:

  • Mantenha um backlog priorizado de features e melhorias
  • Utilize frameworks como RICE (Reach, Impact, Confidence, Effort) para priorização
  • Comunique claramente o roadmap para stakeholders e usuários

Ciclos de desenvolvimento:

  • Adote sprints ou ciclos regulares de desenvolvimento
  • Realize revisões periódicas para ajustar prioridades
  • Mantenha uma cadência previsível de lançamentos

Feedback e melhoria contínua:

  • Implemente canais formais para feedback (formulários, fóruns, office hours)
  • Realize retrospectivas regulares para melhorar processos
  • Documente decisões e aprendizados

6. Criar uma experiência completa para usuários

Trate os usuários do Design System como clientes, oferecendo:

Onboarding estruturado:

  • Sessões de introdução para novos usuários
  • Tutoriais passo a passo
  • Templates e starter kits

Documentação abrangente:

  • Guias de uso por perfil (designers, desenvolvedores)
  • Exemplos práticos e snippets
  • Princípios e raciocínio por trás das decisões

Suporte eficiente:

  • Canais de comunicação claros (Slack, email, tickets)
  • Office hours ou sessões de consultoria
  • FAQ e troubleshooting guides

Comunidade ativa:

  • Fóruns de discussão
  • Eventos e workshops
  • Programas de champions ou embaixadores

7. Comunicar e promover internamente

Desenvolva uma estratégia de marketing interno:

  • Newsletter regular com atualizações e dicas
  • Showcases de projetos bem-sucedidos utilizando o Design System
  • Workshops e treinamentos para diferentes equipes
  • Métricas e histórias de sucesso compartilhadas com liderança
  • Presença em eventos internos da empresa

8. Estabelecer modelo de governança

Defina claramente como o Design System evolui:

  • Processo de contribuição: Como usuários podem sugerir melhorias ou novos componentes
  • Critérios de aceitação: Padrões que novas adições devem atender
  • Tomada de decisão: Quem tem autoridade para aprovar mudanças
  • Gestão de versões: Como as atualizações são versionadas e comunicadas
  • Exceções: Processo para solicitar e aprovar desvios do padrão

Ferramentas ou frameworks relacionados

Várias ferramentas e frameworks podem apoiar a gestão do Design System como produto:

  1. Ferramentas de roadmap: Productboard, Aha!, Trello, GitHub Projects
    https://www.productboard.com/

  2. Plataformas de feedback: Canny, UserVoice, Typeform
    https://canny.io/

  3. Métricas e analytics: Mixpanel, Google Analytics, dashboards customizados
    https://mixpanel.com/

  4. Documentação e comunicação: Zeroheight, Storybook, Notion, Confluence
    https://zeroheight.com/

  5. Gestão de comunidade: Slack, Discord, Discourse
    https://www.discourse.org/

  6. Frameworks de priorização: RICE, Kano Model, Value vs. Effort
    https://www.productplan.com/glossary/rice-scoring-model/

  7. Ferramentas de pesquisa: Dovetail, UserZoom, Optimal Workshop
    https://dovetailapp.com/

  8. Gestão de projeto: Jira, Asana, Monday.com
    https://www.atlassian.com/software/jira

  9. Frameworks de produto: Lean Canvas, Jobs-to-be-Done, OKRs
    https://www.productplan.com/learn/lean-canvas/

  10. Plataformas de Design System: Supernova, Specify, Knapsack
    https://www.supernova.io/

Erros comuns

Ao implementar o Design System como produto interno, evite estas armadilhas frequentes:

  1. Foco excessivo em features: Adicionar componentes continuamente sem garantir que atendam às necessidades reais dos usuários.

  2. Negligenciar a experiência do usuário: Criar um Design System tecnicamente sólido, mas difícil de adotar e utilizar.

  3. Comunicação insuficiente: Não informar adequadamente sobre atualizações, benefícios e roadmap.

  4. Métricas inadequadas: Focar apenas em métricas de output (número de componentes) em vez de impacto (adoção, eficiência).

  5. Governança muito rígida ou muito frouxa: Encontrar o equilíbrio entre controle e flexibilidade é essencial.

  6. Ignorar feedback: Não estabelecer canais efetivos para coletar e incorporar feedback dos usuários.

  7. Falta de alinhamento estratégico: Não conectar claramente os objetivos do Design System aos objetivos estratégicos da organização.

  8. Dependência de indivíduos: Construir um sistema que depende excessivamente de pessoas específicas, sem documentação ou processos adequados.

  9. Subestimar a mudança cultural: Focar apenas nos aspectos técnicos, ignorando a necessidade de mudança de mentalidade e comportamento.

  10. Não demonstrar valor: Falhar em comunicar claramente o ROI e os benefícios tangíveis do Design System para stakeholders.

  11. Isolamento da equipe: Manter a equipe do Design System separada das equipes de produto, perdendo conexão com necessidades reais.

  12. Negligenciar a manutenção: Focar apenas em novos recursos, ignorando a necessidade de manter e atualizar componentes existentes.

Conclusão

Tratar o Design System como um produto interno representa uma evolução natural e necessária para organizações que buscam maximizar o valor de seus investimentos em design e desenvolvimento. Esta abordagem transforma o Design System de uma iniciativa técnica ou de padronização visual em um ativo estratégico que evolui continuamente para atender às necessidades da organização.

Ao aplicar princípios de gestão de produto – como pesquisa com usuários, priorização baseada em valor e ciclos de feedback – as equipes de Design System conseguem criar soluções mais relevantes, aumentar a adoção voluntária e demonstrar claramente o retorno sobre o investimento.

O resultado é um Design System que não apenas sobrevive, mas prospera ao longo do tempo, adaptando-se às mudanças na organização, nas tecnologias e nas necessidades dos usuários. Mais importante ainda, esta abordagem cria uma relação de parceria com os usuários internos, onde o Design System é visto não como uma imposição, mas como um facilitador valioso que os ajuda a alcançar seus objetivos com maior eficiência e qualidade.

Referências

  1. Suarez, M., Anne, J., Sylor-Miller, K., Mounter, D., & Stanfield, R. (2019). Design Systems Handbook. DesignBetter by InVision. Recuperado de https://www.designbetter.co/design-systems-handbook/

  2. Curtis, N. (2021). Design Systems as Products. UX Collective. Recuperado de https://uxdesign.cc/design-systems-as-products-f4413e53e5e6

  3. Saarinen, K. (2020). Measuring the Impact of a Design System. Recuperado de https://medium.com/@karrisaarinen/measuring-the-impact-of-a-design-system-7f925af090f7

  4. Frost, B. (2021). Atomic Design. Brad Frost. Recuperado de https://atomicdesign.bradfrost.com/chapter-5/

  5. Morville, P. (2022). The Architecture of Design Systems. Semantic Studios. Recuperado de https://semanticstudios.com/the-architecture-of-design-systems/

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